Citações



"O berço do apóstolo é a montanha e a planície, com uma nódoa podre no seio, - Tarso; podre, exala miasmas que estragam o seu corpo...renascemos de tudo e dum nada...o libertino santificou-se."
Teixeira de PASCOAES, São Paulo, Lisboa. Assírio & Alvim, 2002: 49.

"Toda a sua vida de apóstolo será uma convalescença deslumbrante, o antegosto de uma saúde nova e perfeita, uma esperança, que na esperança é que existe a salvação."
Id., Ibid.: 50.

"Imagem ilimitada a definir-se, a tomar um recorte individual. É quando o homem surge na criança...procura nova linguagem e nova convivência. (...) O judeu terá nele vida intensa, mas efémera. Será apenas um gesto do passado, neste poeta do Futuro, todo amanhã e sempre. Da acção e da reacção das nossas heranças em conflito, resulta o nosso carácter original, oposto aos elementos de que deriva."

Id., Ibid.: 52.

"Paulo verá mais tarde como é legítimo este sentimento de sobrenatural exaltação, em que nos elevamos até Deus ou até formamos, com ele, o mesmo ser...É o próprio sentimento religioso, lembrança da Origem espiritual. Deus é, em nós, como lembrança. Deus é lembrança de Deus, conforme o sentido místico da Saudade lusíada. Paulo verá a luz da verdade, quando as escamas lhe caírem dos olhos, mas agora cego, mais o domina o ambiente da rua."
Id., Ibid.: 55.
 
"Sente-se brutal e ridículo. Sente o ódio caricaturar-lhe o rosto e desespera-se. Desespera-o ser quem é. E reagindo contra si mesmo, é ainda mais ele mesmo, enfurecido. Afasta-se do trágico local, como raptado violentamente. Por quem ? Por um outro Saulo invisível. Ameaça-o ignota sombra, luz futura. E cai em novos acessos de furor. É o abismo a chamá-lo (ver bíblia-um abismo chama outro abismo), cada vez mais fundo, até varar a terra e mostrar-lhe o céu, do outro lado... Sangue pede sangue. O criminoso quer mais vítimas... E Saulo é agora o ódio enlouquecido, num ímpeto suicida. Aquilo que se exagera, morre...Saulo quer mais cristãos, mais vítimas e todavia já é outro." Id., Ibid.: 60.
 
“Foi o teu destino de apóstolo, foi esse excesso de furor, que te precipitou no crime e no remorso, na acção criadora e redentora. O pecado é que é fecundo...a virtude é estéril na sua beleza...Saulo não descansa. Arde num excesso de furor, em que se vai queimando a sua herança. Quem arde, é o judeu, para ficar intacto o apóstolo de Cristo (…).”
Id., Ibid.: 61.
 
“Desde a execução de Estevão, há dois princípios em luta, dentro dele: o passado e o futuro, Jeová e Cristo, a Lei e a Graça.”
Id., Ibid.: 63.
 
“A sombra da nuvem alonga-se, negra, sobre a estrada e já se confunde com a de Paulo. Os dois vão encontrar-se: a nuvem do céu e o espírito do Poeta. E deste encontro nascerá o milagre transfigurador da Humanidade. Um encontro é sempre nupcial, até o do carrasco com a vítima. Todo o encontro é alumiado pelo facho do Himeneu. O facho acende-se, em deu pleno azul do meio-dia! É um clarão maravilhoso, precipitado das Alturas…O relâmpago instantâneo bate na fronte do apóstolo e lança-o por terra, deslumbrado: Quem és, senhor? E a voz celeste lhe respondeu: Sou Jesus, a quem persegues…Consumou-se o milagre, o mais surpreendente dos milagres. A realidade ficou vencida! E eis a alegria da nossa alma!...Este milagre deu à pessoa de Paulo um resplendor extraordinário! Quem concebeu idêntica visão? Que outra fonte recebeu, em cheio, uma torrente de luz, a despenhar-se do céu aberto? Que outros ouvidos foram abalados pela súplica de um Deus aflito? Que outro homem a quem Deus pedisse misericórdia?... Os seus companheiros levantam-no e o conduzem, pela mão. Não vê nada, que o deslumbramento é cegueira. A luz é…meia luz. A vida é entre zero e cem, um acaso da temperatura.” 
Id., Ibid.: 65.  
 
“O sonho domina a realidade (...) A própria História tem uma origem sonâmbula.” 
Teixeira de PASCOAES, São Jerónimo e a Trovoada, Lisboa. Assírio & Alvim, 1992: 5.

“Então o Santo desceu das nuvens de bronze, e revelou-se o seu íntimo drama de ascético poeta humanista, enlevado no culta da castidade e da amizade (…)Deus ama a confissão do nosso pensamento, e não distingue entre crentes e não crentes.”
 Id., Ibid.: 6.

“Como Paulo é da minha paixão, Jerónimo é da minha simpatia. Paulo é o amor dramático; Jerónimo a lírica amizade. Este Santo como aquele tornou-se-me tão íntimo, que adquiriu, em mim, uma presença incompatível com o invisível. Tudo o que toma corpo, necessita de aparecer, à luz do Sol. E aparecer é nascer. Ou o filho nasce ou morre a mãe. Há uma liberdade sacrossanta: a de criar.”
 Id., Ibid.: 6.

“Mas não há grandeza sem Deus, nem arte sem Beleza. Deus é a garantia dos valores espirituais (…) em toda a criatura não mecanizada existe uma aspiração religiosa e estética, superior, que a anima e enleva etereamente.”
 Id., Ibid.: 7.

“Paulo acendeu, na névoa, a luz da aurora; é o cristão na sua pureza amanhecente; Jerónimo recebeu a luz nascida; e, latino de cultura, adaptou-a à lâmpada central da basílica de Pedro (…) A virtude estará na afirmação ou na renúncia? De pé ou de joelhos? Mas ajoelhar, dizia Bossuet, é uma queda no Vácuo. (…)Ao medo pagão sucede o amor cristão. Jerónimo respeita a ordem, conhece o valor da forma perante a essência, o valor da letra, tão caluniada pelos ébrios! Sabe que o homem é um doido de natura, e precisa da camisa de forças, que os próprios deuses inventaram. Quem descobre o remédio é o enfermo. Por isso, o nosso monge defendeu sempre o Dogma Católico, a forma do Cristianismo, a sua concordância com o Universo, uma obra plástica somente.”
 Id., Ibid.: 7.

“Estas almas da dor e do amor são manifestações supremas duma energia transcendente; e só as admito em acção perpétua, vivas comigo (…) A santidade que as nimba, não é uma virtude inerte, (…)mas uma luz sobrenatural (…)São Jerónimo não está morto; é apenas um esquecido (…) Esta conversão ou passagem compreende-se melhor se atendermos ao prestígio das palavras. Há palavras novas que inovam tudo.” 
 Id., Ibid.: 8.